Ex-alunos contam experiência de ensino domiciliar, que cresce no país
Mateus Luiz de Souza
Desde 2012, o MEC permite que o desempenho no Enem seja
utilizado como certificação de conclusão do ensino médio. O foco era beneficiar
alunos de supletivo, mas a medida na prática facilitou também a vida dos jovens
que foram educados em casa –o homeschooling.
Segundo a Aned (Associação Nacional de Educação
Domiciliar), desde então o número de adeptos no Brasil dobrou e atingiu 2.000
famílias.
A Folha procurou ex-alunos do homeschooling para
conhecer suas impressões sobre o sistema em expansão.
Lorena Dias, 17, saiu da escola em 2010, no 8º ano. Ela
diz ter pedido para sair, porque sofria bullying e os pais estavam preocupados
com as greves e a presença de drogas e no colégio público em que estudava, em
Contagem (MG).
Guilherme, 13, e Lorena, 17, que são educados em casa pelos seus pais, Lilian e Ricardo Dias |
Ela admite que o padrão rígido de estudos estabelecido
pelos pais no começo, determinando horários e os conteúdos, foi flexibilizado
com o tempo. Questionada se isso não é ruim, ela responde que não. "Me
senti livre para usar meu tempo da forma mais confortável. Na escola, você
segue o ritmo do professor."
Ela diz que sentia falta da convivência diária com crianças.
Para tentar compensar, os pais faziam encontros quinzenais de famílias adeptas
do homeschooling. Além disso, ela manteve contato com algumas amigas da escola.
Lorena está tentando se matricular em jornalismo em uma
universidade de Brasília, onde mora hoje. A falta de um certificado de ensino
médio tem sido um problema –para utilizar o Enem, o aluno precisa ter 18 anos,
um a mais do que ela. Lorena tenta agora uma liminar judicial.
Vale lembrar que, apesar do Enem, o homeschooling não é
regulamentado no Brasil, ao contrário do que ocorre nos EUA. Assim, as famílias
precisam estar cientes de que não há consenso sobre sua legalidade.
Uma interpretação judicial possível é que as famílias
estão violando o artigo 246 do Código Penal (que considera crime "deixar
de prover à instrução primária" aos filhos).
A Aned alega que quem dá homeschooling não está
deixando de prover instrução primária. A maior parte das famílias nunca teve
problemas legais, mas ficou famoso o caso do casal Cléber e Bernadeth Nunes, de
Timóteo (MG), condenado a pagar multa de R$ 9 mil em 2010 por educar os filhos
em casa. O conselho tutelar levou o caso ao Ministério Público, que abriu a
ação.
Os garotos Jônatas e Davi estão hoje com 20 e 21 anos. Jônatas
critica o ensino formal –diz que as provas que fez eram "pura
decoreba". Em casa, não tinham horário para estudar: eram livres para
decidir quando pegar nos livros. De família religiosa, liam a Bíblia com
frequência.
Os garotos se dedicaram também à informática. Adolescentes,
criavam sites para clientes da região. Em 2011, ganharam R$ 30 mil de prêmio na
Campus Party, por um projeto de melhora para o AcessaSP (rede de acesso
gratuito à internet de São Paulo).
Davi é hoje responsável pela informatização da
nefrologia do hospital municipal de Betim (MG). "Vou querer educar meus
filhos com ensino domiciliar", diz.
Não seria o primeiro caso. A família Brennan, aliás, já
está na terceira geração de homeschooling.
Os pais de Timothy Brennan Jr., 41, estudaram em casa
porque, quando a família se mudou dos EUA para o Pará, a escola mais próxima
ficava muito longe. Depois a família se mudou para o Rio Grande do Sul, mas ele
foi educado da mesma forma.
Hoje em Chapecó (SC), onde é dono de uma escola de
inglês, ele até tentou colocar os filhos em uma escola, mas ficou decepcionado
com os resultados. Resolveu ensinar em casa Marky, 14, e Ellen, 12.
Um desafio, diz, é que ele morava numa fazenda, com
liberdade para brincar e muitas crianças ao redor. Já Marky e Ellen estão em
uma cidade, onde o contato com jovens é menor, assim como os espaços para
lazer.
Outra limitação é que o sistema exige muito dos pais. Ricardo
Dias, 44, pai de Lorena, diz que vários pais o procuram para saber como é o
ensino em casa. "O pai fica o dia inteiro fora, a mãe também. Eu falo: não
dá, não faz."
"Por isso, a família tem de ter um nível
financeiro bom", afirma Luciane Barbosa, doutora em educação pela USP e
autora de uma tese sobre o assunto. "É muito difícil dar certo em outras
condições."
É a opinião também do pedagogo Fabio Schebella. "Ao
menos um dos pais vai ter que ficar em tempo quase integral com os filhos, e
muitas vezes vai ter de estudar antes deles.
Fonte: Folha
de S. Paulo
Divulgação: www.juliosevero.com
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