19 outubro, 2008

Educação na estrada: conheça duas famílias que educaram os filhos enquanto percorriam o mundo

Educação na estrada: conheça duas famílias que educaram os filhos enquanto percorriam o mundo

Marta Reis

RIO — Nada de carteiras, quadro negro ou matérias chatas. Na família Schürmann, a Teoria da Evolução de Darwin se aprende no próprio arquipélago de Galápagos, e as lições sobre geologia e geografia acontecem sob um vulcão, na Martinica. Foi dessa maneira que a matriarca da família, Heloísa Schürmann, escolheu educar os quatro filhos: viajando. Mas sem abrir mão das lições e das provas, ela garante. Apesar de brasileira, Heloísa optou por métodos americanos para ensinar os filhos, já que nos Estados Unidos, diferentemente do Brasil, a legislação permite a educação em casa, ou o Home Schooling, como o termo é mundialmente conhecido. (Relembre o caso dos meninos mineiros, cujos pais estão sendo processados por educar os filhos em casa).

Conhecida pela vida em alto mar, os Schürmann partiram do Brasil a bordo de um veleiro em 1984, quando os filhos Pierre, David e Wilhelm tinham 15, 10 e 7 anos, respectivamente. O mais velho continuou os estudos através de um programa especial do Colégio Anglo Americano, e os menores seguiram o método sob correspondência da Calvert School, dos Estados Unidos. A quarta filha, Kat, adotada em 95 aos três anos, também foi ensinada pela mãe.

— O material era enviado em um só pacote para todo o ano escolar. As instruções eram bem detalhadas, inclusive com a carga horária indicada para cada disciplina. Todo o mês, enviávamos as lições e os trabalhos feitos pelos meninos, e a cada seis meses, eles faziam uma prova mais ampla. A leitura de livros brasileiros era importante, já que as apostilas eram em inglês - conta Heloísa, que fez licenciatura em inglês, na New York of University.

Segundo Heloísa, cada oportunidade era motivo de aprendizado:

— A matemática era ensinada através de dados concretos da navegação, o câmbio através das moedas dos países que visitávamos, o comportamento das espécies marinhas com os pescadores locais, e por aí vai. Aprendi a usar a criatividade. Se faltava algum material, buscava outro similar ou ajuda nos outros veleiros - relembra ela - Quando ficávamos muito tempo em solo, eles freqüentavam a escola daquele país - emenda.

Legislação brasileira exige que as crianças estejam matriculadas na escola

Pela legislação brasileira, a educação recebida pelos filhos de Heloisa só seria reconhecida no país, caso eles tivessem matriculados em alguma escola.(Entenda melhor como funciona a legislação nesse caso)

— As crianças com idade escolar (leia-se dos 7 aos 14 anos) precisam estar vinculadas a uma escola. Mas isso não seria um empecilho para as viagens. Várias instituições oferecem ferramentas para fazer o acompanhamento pedagógico, pela internet ou por correspondência - esclarece o conselheiro da Câmara de Educação Básica, do MEC, Francisco Aparecido Cordão.

No mar ou na terra, o enredo é parecido

Roteiro semelhante tem a vida da família dos portugueses Sofia Salgado e Mica Costa-Grande. A jornalista e o fotógrafo deixaram Portugal quando Eloi e Sáskia tinham 6 e 4 anos, e Sofia alfabetizou os filhos através de livros didáticos cedidos pela ex-escola dos meninos, sem ter feito qualquer curso de preparação.

— Fui autodidata mesmo. Seguia as lições e fazíamos os exercícios. Não foi difícil. Nos outros anos, comprei os livros que a escola mandou e os seguia. Minhas maiores preocupações eram o português e a matemática. O resto, eles aprendiam durante as viagens - conta ela, que mantinha uma rotina. - De manhã, eles completavam os exercícios, e de tarde fazíamos passeios a museus, igrejas e monumentos históricos.

Veja fotos dos Schürmann e da família de Sofia durante suas viagens pelo mundo

A jornalista educou os filhos sozinha até onde pôde. Mas, em 2006, decidiu fixar residência em São Paulo para que eles pudessem freqüentar a escola.

— Resolvemos criar uma base aqui antes de completar a volta ao mundo, pelo menos até os meninos terminarem o ensino médio. Com 10 e 12 anos, a diferença de idade entre eles começou a pesar na hora de ensinar. E a minha habilidade enquanto educadora ficou um pouco a desejar. Acho importante que eles conheçam a estrutura escolar e a concorrência - completa ela, destacando que o Home Schooling também é permitido em Portugal.

Nos Schürmann, era preciso estudar cinco horas diariamente

Para o filho do meio da família Schürmann, David, hoje com 34 anos, a adaptação à nova rotina foi rápida:

— Sabíamos que seria diferentemente e realmente foi, mas nossa mãe nos preparou para isso. Eu e meu irmão adorávamos. Imagina não precisar colocar uniforme e ficar trancado dentro de uma sala de aula o dia todo - lembra o cineasta, que deixou o barco para fazer faculdade na Nova Zelândia e nos Estados Unidos.

David destaca que a disciplina do colégio era mantida em casa:

— Não era moleza, não. Estudávamos pelo menos cinco horas por dia - Conta ele.

Fonte: O Globo

Para saber mais sobre educação escolar em casa, siga este link: http://www.escolaemcasa.blogspot.com

08 outubro, 2008

Ensino em casa na Revista Enfoque Gospel

Ensino em casa

Oziel Alves

Revista Enfoque Gospel

Nem bem os filhos chegam à idade escolar e o questionamento “Em que escola matricular as crianças?” passa a ser uma constante na vida daqueles pais que se preocupam em garantir uma educação de qualidade para os pequenos. Escola pública ou privada? Laica, Católica, Luterana, Presbiteriana, Metodista, Adventista, Batista ou apenas “cristã” sem qualquer viés denominacional?

Para a maioria dos pais, questões orçamentárias, princípios pedagógicos, orientação religiosa, capacitação dos professores e infra-estrutura são fatores determinantes na hora de escolher a instituição; porém, para outros, nada disso — nem mesmo a LDB, uma lei estabelecida pelo Governo Federal, que entre outras coisas, determina ser “dever ‘dos pais ou responsáveis’ efetuar a matrícula dos menores, a partir dos seis anos de idade, no ensino fundamental” —, parece convencê-los de que, lugar de criança é na escola. Para estes pais, a escola tradicional, seja ela qual for, não oferece um ambiente moral, condizente para com seus princípios, tampouco cumpre satisfatoriamente o papel que se propõe quanto a preparar o educando para ocupar seu espaço no mercado de trabalho e na sociedade, por isso ensiná-los em casa, longe dos bancos escolares, lhes parece a melhor opção.

A grande questão, no entanto, é que a educação domiciliar no Brasil — diferentemente de alguns países de primeiro mundo (que há décadas legalizaram o homeschooling) como os Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Nova Zelândia etc. —, não é reconhecida pelo Ministério da Educação. Aqui, todo o pai ou responsável que deixar de matricular um filho na escola pode ser processado pelo Ministério Público pelo crime de abandono intelectual, sob penas que vão da multa a perda temporária ou definitiva da guarda da(s) criança(s). Uma ameaça, que apesar do rigor, não impede que muitas famílias continuem firmes no propósito de ensinar no lar.

Esta é a situação da família Bueno, composta pelo casal de professores — Josué, 47 e Darcilia, 37 —, que tem 9 filhos e há 13 anos se dedicam integralmente a educação domiciliar. “Começamos desde que nossa primeira filha era uma nenezinha”, afirma José Bueno, que é formado em Letras e Teologia, exerceu a função de pastor por 11 anos, na cidade de Jardim (MS), mas hoje, depois de ser denunciado à Promotoria Pública pelos próprios familiares, mudou-se para o Paraguai. No entanto, continua a exercer a função de professor na rede pública em uma cidade na fronteira entre os dois países. “Decidimos educar nossos filhos em casa porque entendemos que eles são prioridade em nossa vida e merecem o nosso melhor. Eles nos foram dados por Deus e a Ele daremos conta de sua formação educacional, emocional, cultural e principalmente espiritual”. Quanto à instrução dos pequenos, Bueno é enfático “Os resultados têm sido muito superiores aos que meus alunos, na mesma idade têm alcançado na escola”.

Outro caso bastante divulgado no Brasil é o do casal Cleber Nunes, 44 e Bernadeth Nunes, 40, pais de Davi, Jônatas e Ana — recentemente entrevistados por Enfoque —, que há 2 anos e meio decidiram renunciar à grande parte das atividades profissionais que exerciam, para dedicarem mais tempo a tarefa de educar os filhos no lar. O casal, que decidiu afastar os garotos da escola no início de 2006, após concluírem a 5° e 6° série, respectivamente; na época, foi duramente criticado e, por conseguinte denunciado ao Conselho Tutelar da cidade de Timóteo (MG), que comunicou o fato ao Ministério Público.

Acusados de crime de abandono intelectual, os Nunes decidiram inscrever os dois filhos no vestibular da Faculdade de Direito de Ipatinga (MG) com a finalidade de provar que eles não estavam abandonados intelectualmente, já que a Justiça aplicou a sentença sem sequer ouvir o casal, nem as “vitimas”. E conseguiram, pois os garotos foram aprovados com excelente classificação —, 7° e 13° lugar, competindo em igualdade de condições com candidatos concluintes do ensino médio. “Em casa, nosso filhos estudam cerca de 6 horas por dia, incluindo informática, inglês e hebraico. Brincam e se sociabilizam com os amigos, como qualquer outra criança. Tenho certeza de que aqui o aproveitamento deles é bastante superior ao que vinham obtendo na escola tradicional” afirma Nunes.

Ensino tradicional no Brasil

Segundo o SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino Básico), 74,8% dos alunos da rede privada e 97,2% dos estudantes da rede pública, estão abaixo do índice estabelecido pelo próprio Governo Federal. Este panorama refere-se apenas aos conhecimentos da Língua Portuguesa, pois na Matemática e nas Ciências a situação é um pouco pior. O IDEB (Índice Nacional da Educação Básica) mostra que a média brasileira, recentemente divulgada pelo governo, é de 4,2 numa escala de 0 a 10. No PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), aplicado em 2003 e 2006, o Brasil — entre as 57 nações avaliadas — ocupou as últimas posições em todos os critérios analisados.

O IBOPE, através do Instituto Paulo Montenegro (www.ipm.org.br), confirma que na faixa etária de 15 a 64 anos, 72% dos brasileiros podem ser considerados “analfabetos funcionais”, ou seja, conseguem ler palavras mas não conseguem entender um simples texto. “Isso tudo sem falar na exposição constante à violência, ao bullying, às drogas, e à educação sexual precoce e imprópria a que as crianças tem sido submetidas na escola desde as séries iniciais. Se os pais têm direito de tirar seu filho de um hospital e tratá-lo em casa, mesmo que isto signifique risco para sua vida, porque não podemos fazer o mesmo em se tratando da educação, já que ele está exposto a riscos que podem trazer prejuízos irreversíveis? Que contrapartida eu tenho para investir 200 dias por ano em uma instituição com a performance demonstrada pelos índices acima? Vale a pena correr estes riscos?”, questiona Nunes.

A polêmica chamou a atenção dos maiores veículos de comunicação do Brasil, dentre eles a Rede Globo, Record, Band, Rede TV, Revista Época, a Folha de São Paulo e agora a discussão deve se estabelecer, também no Congresso Nacional.

No dia 5 junho de 2008, os deputados federais, Miguel Martini (PHS/MG) e Henrique Afonso (PT/ AC) apresentaram um Projeto de Lei (3518/2008) ao Congresso Nacional, propondo o reconhecimento e a regulamentação da educação domiciliar de 1° a 8 série no país. Um projeto, que, segundo o Dep. Martini, “surgiu como uma resposta aos apelos de inúmeras famílias que nos contataram desejando dar aos filhos uma educação de qualidade desvinculada dos conceitos e valores que algumas unidades de ensino querem impor”.

Como forma de garantir ao Governo um maior controle sobre o método, o projeto propõe ainda que anualmente as crianças sejam submetidas a uma avaliação teórica para verificação do progresso educacional. As provas — aplicadas em instituições da rede pública de ensino —, serviriam como um instrumento de controle para que o Governo pudesse “renovar” ou “cancelar” a licença conforme os resultados da avaliação. Assim, se o projeto for aprovado, pais cujos filhos alcançarem a média mínima nacional poderão ter suas licenças automaticamente renovadas. Porém, aqueles cujos filhos obtiverem resultados abaixo do mínimo estabelecido devem receber uma licença temporária por mais um ano, ficando a “renovação” ou “cancelamento definitivo”, a cargo do desempenho do aluno na prova de recuperação.

Para Julio Severo, escritor, autor do blog “www.escolaemcasa.blogspot.com” e um ferrenho defensor do homeschooling desde 1991, “a proposta de avaliar os alunos não é excelente, mas diante do total controle que o Estado possui nas decisões sobre as crianças, tal opção é o que diríamos ‘melhor do que nada’. Quando o Estado domina tudo numa área, a conquista de um pouco já é uma vitória, por isso precisamos pegar o que está aí no momento, até surgirem oportunidades melhores”.

Outra ponderação é a do professor Luiz Carlos Faria da Silva — pai de Lucas, 10 e Julia, 8 — Doutor em Educação, professor da Universidade Estadual de Maringá (RS) e também adepto do ensino domiciliar, que não concorda com a formulação da lei. “Do jeito que está, a lei restringirá o ensino domiciliar apenas aos pais. E se eles quiserem contratar individualmente um professor? E se os pais quiserem formar um grupo de crianças de duas ou mais famílias para seguir um programa de estudos cujas atividades sejam coordenadas por pessoas de sua confiança?

Ao que tudo indica o debate está apenas começando, ou melhor, sendo retomado, já que há 14 anos, em 1994 um Projeto de Lei (4657/1994) semelhante a este, de autoria do ex-deputado João Teixeira (PL/MT) fora submetido a apreciação da Câmara Federal, porém arquivado no ano seguinte (1995) — já com parecer contrário — devido a não reeleição do parlamentar.

Nos próximos meses a questão que deve nortear a discussão é: “afinal, a educação domiciliar é viável no Brasil, assim como tem sido nos países de primeiro mundo?”. Para Eliane Bragança, supervisora pedagógica da Escola Cristã Jerusalém de Gravataí (RS), a resposta é não. “Acho uma idéia lindíssima para países de Primeiro Mundo. Porém, no Brasil só seria aplicável àquelas famílias com nível intelectual bastante elevado. O papel de educar é dos pais, porém ensinar é para quem teve preparo acadêmico para este fim. Onde ficam a didática, as estratégias e metodologias que a Pedagogia e as Licenciaturas estimulam e incentivam?”

No que depender do Ministério da Educação, a resposta também deve ser negativa, no entanto, a assessoria do Ministro Fernand Haddad, não quis se posicionar, alegando que “faz parte da política de Comunicação Social do MEC não comentar projetos ainda em tramitação no Congresso Nacional, já que durante as apreciações nas Comissões e em plenários, mudanças podem ser feitas ao texto original”.

O tema é novo e a discussão ainda é muito recente no Brasil. Prós e contras serão avaliados. “Sabemos que o debate será polêmico e empolgante. No entanto, o PL não será aprovado sem antes termos a certeza de que ele beneficiará a grande maioria da sociedade brasileira”, afirma Afonso. Não somos contra a escola tradicional. Ela é um instrumento muito importante na sociedade. No entanto, em nome do princípio da liberdade que norteia uma sociedade livre e democrática, como o Brasil, é imprescindível que os pais tenham a liberdade de optar por um outro regime de educação que não este imposto pelo Estado.

O exemplo da família Schurmann

Um dos grandes exemplos de que a educação longe dos bancos escolares pode dar certo é o da família Schurmann, que há décadas tem navegado ao redor do mundo à bordo de seu veleiro. Em 1984, o casal Vilfredo, 59 e Heloisa Schurmann, 60, juntamente com os filhos Pierre, David e Wilhem partiram para uma aventura que duraria 10 anos.

Wilhelm e David eram apenas crianças quando saíram do Brasil. Pierre, adolescente. Os três cresceram a bordo. Estudaram por correspondência. “Aprenderam responsabilidades e a estudar para aprender”, afirma Heloísa, que destaca: “Confesso que sai do Brasil com a alma pesada, pois estava tirando meus filhos da escola e os colocando a bordo e tomando a responsabilidade de educá-los. Ninguém havia feito isso antes aqui no Brasil. Quando chegamos a Nova Zelândia, eles fizeram testes em uma escola e estavam um ano a frente das crianças de sua idade”.

Wilhelm foi o único dos filhos que permaneceu dez anos ininterruptos a bordo. Fez as provas do ensino médio na Austrália e especializou-se em Desenho Técnico. Em 1988, Pierre se formou no segundo grau à distancia e decidiu estudar Administração de Empresas nos Estados Unidos, onde morou até 1994. Em 1991, David aproveitou uma temporada da Família na Nova Zelândia e por lá ficou, graduando-se em Cinema e Televisão. Só voltou ao Brasil em 1999, após trabalhar com audiovisual na Nova Zelândia e nos Estados Unidos. Hoje são todos felizes e tem sucesso em suas profissões.

Há ainda a quarta filha do casal, Kat que também estudou no homeschooling durante a viagem dos 5 aos 7 anos e meio, porém ao retornar ao Brasil freqüentou uma escola tradicional até completar 11 anos, quando a família saiu novamente em viagem pela Costa do país. “Sobre o Projeto de Lei, achamos que a experiência de assumir a educação dos filhos exige amor, dedicação e trabalho. Sei que o ensino domiciliar não é uma opção para todos, mas se os pais têm aptidões para ensiná-los, porque não dar-lhes a possibilidade de escolha?”, opina Heloísa.

Fonte: Revista Enfoque Gospel

Divulgação: www.juliosevero.com