22 fevereiro, 2012

Escola pública: uma pedagogia de risco

Escola pública: uma pedagogia de risco

José Maria e Silva
Polemista corajoso, dono de uma corrosiva ironia, o jornalista e escritor Benjamin Costallat (1897-1961) foi um dos mais apreciados cronistas de seu tempo, retratando a sociedade carioca com uma visão quase futurista, que, já nos anos 20, o fazia perceber a favela como uma “cidade dentro da cidade”, chamando a atenção para o apartheid carioca que continua a dar trabalho ao país. Em uma de suas crônicas, intitulada “Ins­trução?” e publicada no Jornal do Brasil em 3 de março de 1927, Costallat chama a atenção para o ensino público da então Capital Federal.
Como sugere a interrogação do título, tratava-se de uma crítica à “instrução pública”, como era chamado, na época, o emergente ensino público no país, em luta com a hegemonia católica na educação. Ainda faltavam cinco anos para que sociólogo Fernando Azevedo (1894-1974) liderasse o Manifesto da Escola Nova, que defendia a educação laica, com mais investimento na instrução pública. Em seu artigo, Benjamin Costallat descreve uma escola pública do Rio de Janeiro, em que as crianças conviviam com entulhos, animais, esgoto a céu aberto, “sem as mais elementares regras de higiene, na promiscuidade sórdida”, como afirma o autor.
Diante desse cenário de sordidez, Costallat clama pelo fechamento das escolas, afirmando que “melhor é ver aumentar o número de brasileiros analfabetos” do que ver “aumentar o número dos porcos brasileiros”. Hoje, passados 84 anos, o Brasil vive uma situação ainda mais trágica do que aquela descrita pelo jornalista carioca. As escolas deixaram de ser chiqueiros físicos — viraram pocilgas morais. Se no seu tempo, os alunos refocilavam na lama, hoje a escola lhes enodoa a alma. Já não se trata de escolher entre o analfabeto e o porquinho; se depender da criminosa pedagogia progressista, ou se fecham as escolas ou o país terá de escolher entre o analfabeto e o bandidinho — devidamente acompanhado da prostitutazinha.
Mandantes de um crime
Para quem acha que estou exagerando, recomendo a leitura de uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, publicada em 15 de novembro de 2011. A reportagem relata um inacreditável trabalho escolar idealizado por uma professora de português de uma escola estadual da cidade de São Carlos (221.950 habitantes), no interior paulista. A professora pediu a uma aluna de 12 anos que marcasse um encontro com um pedófilo na internet, com o objetivo de analisar as propostas que receberia e, dessa forma, mostrar a todos os alunos o risco que esse tipo de conversa acarreta.
De acordo com a orientação da professora, a menina deveria usar um nome fictício e sua idade real no bate-papo da Internet. Deveria também imprimir toda a conversa com o pedófilo e marcar um encontro com ele no centro da cidade, quando deveria fotografá-lo. Indignada com a tarefa, a mãe conversou com o padrasto da menina e eles decidiram reclamar na direção da escola e levar o caso ao conselho tutelar do município. A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo determinou a investigação do caso e o afastamento da professora, “em caráter exclusivamente preventivo”.
As autoridades educacionais paulistas estão certas: é preciso avaliar o caso com isenção e, para isso, convém que a professora seja afastada. Mas não basta — é preciso chegar até os mandantes desse crime. E, sem dúvida, eles estão nos grandes centros universitários do país, começando pela USP e suas congêneres públicas pelo país afora. Hoje, grande parte da ciência produzida nas universidades brasileiras não passa de uma espécie de pederastia intelectual. Já não existe ensino. O que há é manipulação de crianças e adolescentes por parte de ideólogos adultos, que querem fazer a revolução socialista a partir das escolas.
Escola sem limites
A professora que mandou a aluna se encontrar com um pedófilo está apenas aplicando aquilo que a universidade brasileira vem pregando — o protagonismo sem limites de crianças, adolescentes e jovens na suposta tarefa de transformação do mundo. Já não existe assunto proibido para criança em idade escolar. De acordo com as teses acadêmicas e as diretrizes do MEC, crianças e adolescentes podem discutir tudo, menos estudar. Vivemos uma completa inversão de valores: enquanto os adultos têm ojeriza a temas polêmicos, por entender que eles estragam o jantar e a cerveja, as crianças não fazem outra coisa na escola senão buscar soluções para todos os problemas milenares (e insolúveis) da humanidade — desde a fome na África até a criminalidade urbana, passando pela violência contra a mulher, o aborto, as drogas, o racismo, as perversões sexuais.
Pautando-se pela fé vygostkiana na construção coletiva do conhecimento e da moral, a pedagogia estimula o debate de temas inimagináveis entre as crianças, muitos deles espinhosos até para adultos. No livro Limites: Três Dimensões Educacionais (Ática, 2001), o psicólogo Yves de La Taille, professor titular da USP, critica esse excesso de protagonismo juvenil da pedagogia, que coloca a criança diante de dilemas que estão muito além de sua capacidade de discernimento. Ele conta o caso de uma professora que reuniu uma turma de crianças de 6 e 7 anos em torno de uma churrasqueira em brasas e, referindo-se a uma aluna da classe, propôs a seguinte questão: “Podemos jogar Fulana no fogo?”. Um aluno, “com seriedade pelo menos aparente, respondeu que a Fulana em questão devia, sim, ser jogada no fogo” — para o total desconcerto da professora.
A própria ONU — que não passa de uma Internacional Socialista — é a principal defensora do protagonismo juvenil, não admitindo nenhuma distinção entre crianças e adultos. Prova disso é que sua Convenção sobre os Direitos da Criança (macaqueação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que inspirou o Estatuto da Criança e do Adolescente) diz textualmente em seu artigo 13, parágrafo 1º: “A criança terá o direito à liberdade de expressão; este direito incluirá liberdade para procurar, receber e partilhar informações e ideias de todos os tipos, independentemente de fronteiras, oralmente, por escrito ou na forma impressa ou de arte, ou através de qualquer outro meio de escolha da criança”.
Caso se leve a sério este artigo da Convenção da ONU, uma criança tem o direito inalienável de dizer palavrões de qualquer espécie (“direito à liberdade de expressão”); ler manuais de tortura e distribuir panfletos racistas (“receber e partilhar ideias de todos os tipos”); ver, pela internet, cenas de pedofilia com crianças asiáticas e estupros coletivos nos Bálcãs (“procurar informações e ideias de todos os tipos na forma impressa ou de arte”). Ou seja, a ONU preconiza para crianças de qualquer idade a mesma liberdade de um adulto, esquecendo-se que não se pode falar em liberdade sem responsabilidade. É obvio que as crianças, uma vez que não podem se responsabilizar por seus atos, também não podem ser totalmente livres.
Fanatismo revolucionário
Nesse contexto de verdadeira putrefação ética, aprendida nos bancos das faculdades, é quase inevitável que uma professora ache natural mandar uma aluna de 12 anos entrevistar um pedófilo. Trata-se de uma consequência direta do ensino ministrado nas universidades, especialmente nas faculdades de pedagogia. Até as pesquisas científicas da área costumam ser batizadas com um nome imbecil, “pesquisação”, em que a palavra “ação” desnuda o fanatismo revolucionário da pedagogia, toda ela calcada na autoajuda marxista de Paulo Freire. E o que é mais grave: a ação tem de ser sempre coletiva, pois o pensamento hegemônico nas academias abomina a consciência individual — tratada como mero epifenômeno burguês, a ser extinto com a revolução socialista.
Hoje, todas as universidades brasileiras desenvolvem programas de mediação de conflitos nas escolas, em que crianças e adolescentes são chamados a mediar a verdadeira guerra civil que viceja entre as gangues estudantis. Isso quando a própria escola não se torna a principal fábrica de conflitos, através da ideologia marxista, que joga negros contra brancos, pobres contra ricos, ateus contra religiosos, drogados contra sóbrios, nordestinos contra demais paulistas e gays contra as demais pessoas. Baseando-se na tese da filósofa Marilena Chauí de que a única ética possível é a ética de esquerda, a universidade especializou-se em atiçar as turbas contra o indivíduo, como se vê na USP.
Prova disso é que o aluno que se esquiva das más companhias é visto como preconceituoso. A psicóloga e socióloga Sílvia Ramos, doutora em Saúde Pública pela Fiocruz e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, numa entrevista à Agência Brasil, chegou a criticar os adolescentes e jovens que se afastam dos usuários de crack: “Os próprios jovens são muito preconceituosos e contribuem para isolar o adolescente que usa crack. Ele se descontrola e rapidamente se torna dependente. E isso não contribui para que ele peça ajuda, peça socorro”. Convém ressaltar que essa afirmação absurda, que não tem sustentação sociológica, psicológica, médica ou ética, foi feita por uma profissional com doutorado numa das mais importantes instituições cientificas do país — a Fiocruz.
Pedofilia como invenção
Se uma autoridade acadêmica considera que é dever do adolescente se aproximar do usuário de crack para ajudá-lo a sair do vício, por que uma professora da escola básica não pode pedir a uma aluna que converse com um pedófilo? Não tenho dúvida que o usuário de crack é muito mais perigoso do que o pedófilo, inclusive porque o fenômeno da pedofilia — com a dimensão que adquiriu nos bancos das academias e nas páginas dos jornais — não passa de um espectro inventado pelo movimento gay e pelas feministas. Já o viciado em droga é um perigo ambulante. Quantos usuários de crack não são mortos por traficantes devido a dívidas do vício? Um pai pode trabalhar tranquilo se souber que na escola os doutores universitários acusam seu filho de ser preconceituoso por não andar com o drogado, arriscando-se, no mínimo, a levar uma bala perdida?
O casuístico mito do pedófilo ofuscou até a bárbara concretude do estuprador. Ninguém liga mais para o monstro que violenta mulheres — a ordem agora é perseguir pedófilo, mesmo que sua vítima seja uma voluntária de 17 anos, que vive de vender o corpo de modelo. Mas o pedófilo, convém frisar, não se define pelo que faz na cama e, sim, pelo que representa socialmente. Para ser pedófilo é preciso ser branco e, de preferência, rico, tendo pago pelo sexo que a menor — voluntariamente — fez com ele. Se o sujeito é bandido, a coisa muda de figura: em nome dos direitos humanos, ele passa a ter o monopólio da presunção de inocência, negada ao cidadão honesto. Por isso, quando é preso, mesmo que seja latrocida, traficante e até estuprador, passa a ter o inalienável direito a visitas íntimas, inclusive com menor, caso sua namorada declarada tenha menos de 18 anos.
Todos os sábados e domingos as cadeias brasileiras são transformadas em parques de diversões. Suas portas se abrem para as famílias dos presos, inclusive crianças e adolescentes, entre elas, meninas com os seios em botão. Vão acompanhando a mãe, que vai visitar o marido ou o filho preso. Como entram no presídio de manhã e só podem sair no final da tarde, seu universo social se estreita e não é raro que essas meninas, ainda menores, comecem a namorar um colega de cela do pai ou do irmão. Logo, se tornam repasto de assassinos, ladrões e traficantes nas famigeradas visitas íntimas e acabam presas na porta da cadeia com a vagina entulhada de droga, como aconteceu com uma adolescente no final de outubro, num presídio do interior de São Paulo.
Amélias dos gays
Essa trágica realidade — um verdadeiro genocídio físico e moral das mulheres — não preocupa as autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário, muito menos os intelectuais das universidades, inclusive as feministas, que viraram Amélias dos gays.  Essa gente prefere se ocupar dos direitos humanos dos presos. Prova disso é a dissertação “Crianças Pré-escolares e Prisão Paterna”, defendida em 2007 pela psicóloga Márcia Valéria Reis Beckman no Mestrado em Psicologia da PUC de Campinas. Ela entrevistou familiares de presos e critica a visão que eles têm do presídio como “um lugar ruim”, chegando a ironizar o fato de que não consideram o ambiente carcerário adequado para uma criança, “um ser puro e ingênuo” — segundo a sarcástica expressão da pesquisadora.
Esse desrespeito com o sofrimento alheio se torna ainda mais chocante quando se sabe que a pesquisadora tinha conhecimento do tratamento que as crianças, inevitavelmente, recebem no presídio. Uma das mães entrevistadas (com 23 anos e um filho de 4 anos, cujo pai estava preso por tráfico de drogas) disse que a revista das visitas era muito invasiva e que as mulheres dos presos ficavam fazendo piadinhas com os guardas e fazendo posições pornográficas, na frente do seu filho. Outra mãe, de 39 anos, contou à pesquisadora que entrava numa sala junto com outras cinco ou seis mulheres e todas elas, completamente nuas, agachavam-se e levantavam três vezes para que as guardas vissem se nenhum droga iria cair de suas partes íntimas. E a criança presenciando tudo isso.
Mesmo assim, a pesquisadora da Unicamp minimiza os evidentes danos que essa situação causa nas crianças, preferindo preocupar-se com o bem-estar os presos e sua suposta ressocialização: “Muito embora não haja muito debate sobre os prós e contras das visitas de crianças aos pais encarcerados, tais visitas podem ser vistas como atividades positivas e de grande apoio, pois elas ajudam o pai preso, a família, a instituição prisional e, em último caso, a sociedade como um todo, pois as visitas amortecem as tensões pessoais e facilitam a gestão do espaço prisional". Mais grave é que essa não é uma posição isolada da pesquisadora: toda a universidade brasileira pensa assim e induziu o Estado a pensar o mesmo, destruindo crianças inocentes a pretexto de consertar seus pais criminosos.
Sexo precoce e oficial
Se pesquisadores universitários e autoridades constituídas acham normal criancinhas de três, quatro, cinco anos responsabilizarem-se pela recuperação do pai criminoso, sendo obrigadas a contribuir para evitar rebeliões no presídio, mesmo ao preço de ver a mãe pelada, em meio a vaginas balançantes, por que uma professora mal formada e mal paga da rede pública não pode pedir à sua aluna de 12 anos que faça um trabalho escolar com um pedófilo? Reconheço que a professora foi até mais decente do que os mestres e doutores que a formaram: ela passou a absurda tarefa para a menina, mas mandou um bilhete aos pais pedindo que acompanhassem de perto todo o trabalho.
Ou seja, a menina não corria nenhum risco físico. O dano seria moral se ela conversasse com o pedófilo. É óbvio que uma criança nessa idade deveria ser preservada das misérias do mundo.  Infelizmente, isso não ocorre. Vive-se nas escolas a pedagogia do Marquês de Sade. Os textos paradidáticos adotados na educação básica submetem as crianças a um verdadeiro festival de violência, que vai da chacina à tortura, passando pelo estupro e o incesto. Para a universidade, a infância é uma invenção burguesa, que precisa ser destruída. A morte da infância dispensa a autoridade paterna; com isso, crianças, jovens e adolescentes tornam-se presas fáceis da ideologia revolucionária, sempre em busca de marionetes humanas.
Mas não é preciso ir muito longe para compreender a loucura pedagógica da professora de São Carlos. Em 2003, o Ministério da Saúde começou a distribuir camisinhas para meninas a partir dos 13 anos. Na época, a cantora Kelly Key, que fazia sucesso com a música “Baba” (uma indisfarçável defesa da pedofilia) foi contratada para promover a campanha. O então ministro da Saúde, Humberto Costa, afirmou textualmente à Folha de S. Paulo: “Ela passa uma imagem de menina que tem poderes de decisão em uma relação”. Reparem: o ministro não estava falando de uma mulher, mas de uma menina de 13 anos — filha dos outros, dos pobres, obviamente.
Como se não bastasse, dois anos depois, o mesmo Ministério da Saúde decidiu estimular ainda mais o sexo precoce e anunciou que sua prioridade seriam os alunos de 10 a 15 anos, que passaram a ser o foco da distribuição de camisinhas. Na Folha de S. Paulo, em 16 de março de 2005, intelectuais universitários defenderam essa política. O psicólogo Áderson Costa, professor da UnB, chegou a afirmar que “uma criança de três anos pode ter orientação sexual” e sustentou que, “aos 10, 11 anos acaba a infância” e que, “nessa hora a informação é bem-vinda”. Já a psicóloga Maria Cecília Pereira da Silva, do Conselho Federal de Psicologia, defendeu que se deve dar camisinha para as crianças de 10 anos, acompanhada de orientação, para que “a criança possa refletir, discutir e ser responsável pelas suas escolhas”.
Como se vê, a professora de São Carlos, ao mandar sua aluna de 12 anos conversar e se encontrar com um pedófilo, estava apenas pondo em prática o que a universidade ensina e o governo federal impõe. Mas, como eu disse, ela foi até mais responsável do que as autoridades acadêmicas e ministeriais. Ao menos procurou envolver a família na tarefa absurda. Já o governo federal — à revelia dos pais — entrega camisinha na mão das meninas de dez anos e, repetindo as autoridades acadêmicas, diz: “Seja responsável por suas escolhas”.
Esses e não os pedófilos de ficção são os verdadeiros inimigos da infância.
Publicado originalmente no Jornal Opção.
José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.
Divulgação: www.juliosevero.com
Por que os políticos não querem mandar seus filhos às escolas públicas?

Um comentário:

António Ja Batalha disse...

Olá chamo-me Antonio Batalha. Vim conhecer seu blog, dar-lhe os parabéns. Pois é muito bom, e gostaria de lhe deixar um convite: Ficava muito grato se fizesse parte dos meus amigos virtuais na Verdade que Liberta. Obrigado e um bom fim de semana.